BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Sob ameaça de sofrer a primeira derrota para o centrão desde que sucedeu Eduardo Cunha (2015-2016) na presidência da Câmara”, Rodrigo Maia (DEM-RJ) mudou o discurso no final de sua gestão e, agora, fala que houve e há risco de retrocesso democrático no país.
“Houve e há uma chance de ruptura institucional. A eleição da Câmara é um divisor de águas nesse assunto. Acho que o presidente da Câmara precisa ser alguém que não seja dependente do governo e que não deva sua eleição ao presidente da República. Com isso, o presidente [Jair Bolsonaro] se sentirá forte o suficiente para ampliar o conflito com as instituições democráticas, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal”, disse Maia à Folha na manhã do último dia 22, na ampla sala da residência oficial da presidência da Câmara, às margens do lago Paranoá, em Brasília.
Maia encerra nesta segunda-feira (1º) quatro anos, seis meses e 19 dias de comando -um mandato-tampão e dois completos- consecutivo, o que o tornou o mais longevo presidente da Câmara de forma ininterrupta desde Ranieri Mazzilli (1958-1965).
Em quase todo esse período, Maia atuou como fator de estabilidade e apoio aos presidentes da República. Foi essencial para que Michel Temer (2016-2018), do MDB, resistisse no cargo durante o escândalo da JBS, em 2017, ocasião em que o presidente foi acusado, entre outras coisas, de compactuar com a compra do silêncio de Cunha, já na cadeia àquela altura.
Temer escapou de ser afastado por duas vezes graças ao plenário da Câmara, que não reuniu os 342 votos necessários para aceitação de denúncia criminal contra ele.
Já sob Jair Bolsonaro (sem partido), Maia conteve o andamento da chamada “agenda de costumes” defendida pelos aliados do presidente, distribuiu uma profusão de notas de repúdio contra assanhos antidemocráticos do mandatário, mas capitaneou ações na área econômica que agradaram ao mercado, como a reforma da Previdência, ou deram impulso à popularidade do presidente, como o auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia.
Em todos esses momentos, ele não declarou haver risco de real abalo à democracia, tanto é que repousam em sua gaveta cerca de 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro sem que Maia tenha se manifestado sobre qualquer um deles.
Em meados do ano passado, por exemplo, quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou que não era questão de “se”, mas de “quando” haveria a ruptura, quando bolsonaristas fantasiados ao estilo de grupos supremacistas soltaram fogos de artifício em direção ao STF e quando o próprio presidente insuflou uma manifestação golpista em frente ao QG do Exército, Maia divulgou nota dizendo que não via ameaça de ruptura institucional nem apoio nas Forças Armadas para aventuras antidemocráticas.
Semanas depois, citou pesquisa do Datafolha mostrando ser de 75% o apoio da população à democracia para dizer que “o brasileiro não permitirá um retrocesso institucional”.
A mudança de tom de Maia tem a ver com o risco de que seu candidato, Baleia Rossi (MDB-SP), seja derrotado por Arthur Lira (PP-AL), que pouco a pouco assumiu a liderança do centrão após o afastamento, cassação e prisão de Cunha, então comandante do grupo. Lira é apoiado por Bolsonaro.
Parte da dificuldade encontrada por Maia hoje para viabilizar Baleia como seu sucessor se deve ao que adversários tacham de autoritarismo no comando da Câmara, em especial durante a pandemia de Covid-19.
Maia acertou com líderes partidários que apenas matérias consensuais seriam colocadas em votação. No entanto, segundo adversários, isso não aconteceu. Maia teria começado a acordar os projetos apenas com seus aliados e escanteado líderes partidários do centrão, em especial após a decisão do bloco de se unir a Bolsonaro.
O desgaste aumentou com a suspeita de que Maia tentava nos bastidores viabilizar mais uma reeleição enquanto sinalizava a seis nomes próximos que poderia apoiá-los. Ao ver sua tentativa barrada pelo Supremo, demorou para indicar um candidato, provocando uma indisposição, por exemplo, com o vice-presidente, Marcos Pereira (Republicanos-SP), com o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) e até com colegas de partido, como Elmar Nascimento (DEM-BA).
Hoje com 50 anos, Maia começou a carreira política sob a influência do pai, Cesar Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador na cidade.
Na Câmara dos Deputados desde 1999, atuou ao lado de ACM Neto (BA) e de outros no processo de renovação do DEM -que até 2007 se chamava PFL-, tendo exercido a presidência nacional do partido de 2007 a 2011.
Sua única tentativa de eleição fora da Câmara acabou em um grande fiasco. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012, tendo como vice Clarissa Garotinho (então no PR, hoje deputada federal pelo PROS), mas a chapa obteve apenas 2,94% dos votos válidos.
O início da ascensão de Maia na Câmara começou em 2015, quando apoiou a vitória de Cunha, que derrotou o candidato do governo Dilma Rousseff à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT).
A partir dali, ganhou do emedebista o comando da comissão que analisou a reforma política e, no plenário, a relatoria dela. Ele se afastou de Cunha após o impeachment de Dilma, quando o então presidente da Câmara não o indiciou para a liderança do governo na Casa, colocando no lugar André Moura (PSC-SE).
Com o afastamento de Cunha do cargo por ordem do STF, Maia conseguiu obter o apoio da esquerda e derrotar o candidato que o centrão e Cunha buscavam emplacar, Rogério Rosso (PSD-DF).
Ao assumir, afirma que recebeu a visita, entre outros, de Arthur Lira, que lhe procuraram em nome de Cunha e tentavam fazer com que ele adiasse a votação do processo de cassação do emedebista. Ele manteve a data, e Cunha foi cassado. Lira não quis se manifestar sobre esse episódio.
No início de 2017, e novamente com o apoio da esquerda, derrotou novamente o centrão, dessa vez Jovair Arantes (PTB-GO). Em 2019, chegou ao terceiro mandato consecutivo, aí com o apoio do grupo, que inicialmente tentou viabilizar Lira, mas acabou desistindo.
A ruptura com o centrão se deu paralelamente à elevação de seus embates com Bolsonaro. Quando Maia virou adversário aberto e um dos principais alvos do bolsonarismo, o centrão viu a chance de se aproximar do presidente e lhe dar a base de sustentação que ele nunca teve no Congresso.
Nos quatro anos e meio da gestão Maia, a Câmara colocou em andamento uma forte agenda pró-mercado. Além da Previdência, foram aprovadas a emenda constitucional de congelamento dos gastos federais, a reforma trabalhista, a alteração das regras de exploração do pré-sal, a liberação das empresas para terceirizar atividades-fim, entre outras.
Maia diz que, nesse período, seus maiores erros foram não ter avançado na reforma tributária e ter aceitado que o governo levasse a chamada PEC Emergencial, pacote de medidas de corte e controle das despesas públicas, para o Senado, que não a votou.
Sobre o que considera positivo, afirma que recuperou a imagem da Câmara e deu início a uma agenda de modernização do Estado, além da aprovação da proposta que deu a guarida orçamentária para o combate à pandemia do coronavírus e da que renovou o Fundeb, o principal fundo de financiamento da educação básica no país.
Maia integra o grupo político de centro-direita que tentará se contrapor a Bolsonaro em 2022 e que tem como cotados para a disputa presidencial, por ora, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentador da TV Globo Luciano Huck (sem partido).
Sobre as críticas de que deveria ter dado aval à deflagração do impeachment de Bolsonaro, Maia afirma que fazer isso durante a pandemia atrapalharia o combate ao vírus, além de poder fortalecer o presidente. Em sua visão, não há ainda força suficiente nas ruas e no Congresso para destituir Bolsonaro.
“Hoje tenho a clareza de que, do ponto de vista da prioridade, eu não errei.”
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